O Alhures na Transmissão da Psicanálise

 Erivelto Rocha
          
  O presente texto é parte consubstancial das minhas reflexões sobre a transmissão da psicanálise, as idéias aqui discorridas partem da vivência em um dispositivo de formação.
            Talvez a instituição não queira ser a transmissora de mais uma “nova” psicanálise. Mas assumir a posição de criar possibilidades, caminhos para pensar a psicanálise e o oficio do psicanalista.
            Na diversidade, na heterodoxia, não no ecletismo, mas sim no pluralismo, é assim que vejo o dispositivo onde as bases se constituem sobre a práxis dos analistas que apresentam os casos, favorecendo a escuta.
O dispositivo pensado é o espaço das inquietações e dúvidas daqueles que em formação, encontram-se na conjuntura daqueles que já praticam a psicanálise, tudo permeado por referências a experiência. E seguindo Freud, falando Sobre o Ensino da Psicanálise nas Universidades:
Mas, para os objetivos que temos em vista, será suficiente que ele aprenda algo sobre psicanálise e que aprenda algo a partir da psicanálise.” [1]
            Havendo o confluir de dois movimentos na transmissão: o primeiro formado pelas questões daqueles que iniciam a formação, cada qual com suas experiências particulares com a psicanálise, buscando respostas que mostrem sentido a formação analítica e o segundo, as proposições dos analistas de várias orientações marcados na experiência com a clínica e no percurso com a teoria.
Observo que, encontramos várias e significativas referências, que buscam mostrar onde reside o desejo psicanalítico que é intrínseco ao campo da prática analítica, apesar da diversidade; prevalece à vocação, a permanência da dependência de um desejo original que tem sempre papel ambíguo, mas prevalecente, na transmissão da psicanálise, nos indicando aí a sustentação da própria formação do psicanalista e afirmando a necessidade dos estudos teóricos, dito de outro modo é necessário nos implicarmos com o desejo do pai fundador para que haja a transmissão.
A instituição tendo como proposta apresentar a psicanálise como um saber plural que não pode se reduzir ao dogmatismo. Acredito então que sinaliza para aquilo que Alain Didier-Weill aponta:
“É pelo fato de a enunciação de Freud ser um resto ineliminável de sua teoria que ela não pode se transmitir sem perda, e deve ser não inventada, mas reinventada por cada um.”[2]
Percebe-se certo cuidado, certa preocupação, em não amarrar nada para garantir que o ser psicanalista não seja a instituição, mas o candidato analista implicado com a própria psicanálise.
Considero, então que a transmissão psicanalítica está preferivelmente no que se revela ao candidato a analista. Aquilo que sucinta, sobre um saber que não está acabado pronto e estático, um saber que está sendo construído, que exige a capacidade de percepção e compreensão da práxis clínica, como analista e analisando.
Contudo a transmissão passa pela condição pertinente da psicanálise, que é o não saber. Onde somos posto nos impasses das diferenças daqueles que reivindicam maior conceitualidade da psicanálise com a teoria do significante e do inconsciente como linguagem e os que estão voltados sobre as relações de objeto. Porém atuam na busca de preterir o que esta latente.
Reconhecendo na latência a comunicabilidade, o que é preciso é escutar o lugar de onde ressoa; o espaço, que não é o dispositivo, mas para além, é preciso examinar atentamente de onde parte a transmissão daqueles que falam.
O psicanalista ao apresentar o material clínico, demonstra seu estilo, que de certa forma resulta em um constrangimento, por que ao operar de um lugar tão íntimo e singular corre-se o risco das vacilações e dos equívocos, no entanto quando há essa predisposição, permite-se pôr para todos em formação, a clínica psicanalítica, que não é ordenada explicitamente, nem imperativa. Em que o sujeito é tomado por outro conjunto de elementos que formam o inconsciente.
Também posso pensar, no analista como um entusiasta, ou seja, aquele que ainda apresenta o frescor dos primeiros tempos da entrada num determinado campo da experiência analítica. Eu aponto estas perspectivas por ser o psicanalista contrário ao especialista, ao técnico, em suma de alguém que tem o domínio do saber em determinado assunto.
Então o percurso da transmissão vai além de um testemunho. Neste sentido, o que predomina é o desejo do psicanalista que pode ser pensado como sinônimo de psicanalista freudiano.
Levando em consideração estes processos da transmissibilidade da psicanálise existe um entrelaçamento irredutível entre o particular de quem fala e a história da psicanálise. Detenho-me ao que nos interesse nessas relações que é a psicanálise.
Na Proposição de 9 de Outubro de 1967, Jacques Lacan formula as seguintes assertivas, acredito para que se faça necessário à distinção dos que se acomodam na formação com os sujeitos que se comprometem com a transmissão.
“Primeiro um princípio: o psicanalista só se autoriza por si mesmo. Este princípio está inscrito nos textos originais da Escola, e decide sua posição.
Isto não exclui que a Escola garanta que um analista depende de sua formação.
Ela pode fazê-lo por si mesma.
E o analista pode querer essa garantia, coisa que, a partir de então, deve necessariamente ir além: tornar-se responsável pelo progresso da Escola, tornar-se psicanalista da sua própria experiência.”[3]
            O que eu penso é a liberação, uma liberação conseqüente que permiti o psicanalista a produzi um saber que provém do inconsciente, que existe no tempo atual da autorização de quem fala.
            O outro lugar da transmissão é mais que um legado, é a condição da sustentação do discurso psicanalítico no ser falante, interrogado pelo sujeito suposto saber na junção do desejo inconsciente do analista, apesar de estar escamoteado, pelos cuidados e pela delicadeza de algo que é tão caro é intimo. 





Bibliografia

Didier-Weill, Alain, Nomeação e Simbolização na Comunidade Analítica. In Inconsciente Freudiano e Transmissão da Psicanálise, Ed., Jorge Zahar, 1988, Rj.

Caderno Informativo do Centro de Estudos Psicanalítico Ano 2010

Freud, S.(1919[1918]), Sobre o Ensino da Psicanalise nas Universidades, in ESB, Ed, Imago, 1977, Rj. Vol . XVII.








[1] Freud, S.(1919[1918]), Sobre o Ensino da Psicanalise nas Universidades, in ESB, Ed, Imago, 1977, Rj. Vol . XVII.
[2] Didier-Weill, Alain, Nomeação e Simbolização na Comunidade Analítica. In Inconsciente Freudiano e Transmissão da Psicanálise, Ed, Jorge Zahar, 1988, Rj.
[3] Lacan, Jacque, Proposição de 9 de outubro de 1967. In Letra Freudiana. Ano 1-Nº 0

Comentários

Postagens mais visitadas